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A importância do fortalecimento institucional para a gestão das águas

  • tatianamassaro8
  • há 2 minutos
  • 4 min de leitura

Alberto Manganelli, do CeReGAS, reflete sobre ações e problemáticas no manejo hídrico latino-americano


Isabela Batistella


Legenda: Alberto Manganelli durante seu seminário na Semana Internacional Paulista de Águas Subterrâneas (SIPAS). Fonte: Isabela Batistella
Legenda: Alberto Manganelli durante seu seminário na Semana Internacional Paulista de Águas Subterrâneas (SIPAS). Fonte: Isabela Batistella

Historicamente, a utilização de recursos hídricos tem sido alvo de disputas e conflitos, por esse motivo, a gestão efetiva das águas é necessária, especialmente com relação aos aquíferos transfronteiriços. Diretor Executivo do Centro Regional para a Gestão de Águas Subterrâneas na América Latina e no Caribe, sob os auspícios da UNESCO, (CeReGAS, Uruguai), Alberto Manganelli concedeu uma entrevista ao SACRE para debater a gestão hídrica e as problemáticas em torno da questão na América Latina.

Tendo participado da execução de projetos no Sistema Aquífero Guarani, Manganelli esclarece a importância das instituições para uma gestão hídrica efetiva, nacional e internacionalmente, destacando a necessidade de um melhor controle e monitoramento dos dados de captação de águas subterrâneas e da colaboração transfronteiriça na gestão de aquíferos. "Mesmo em aquíferos inteiramente dentro de um país, é importante considerar elementos de cooperação, no conhecimento, no financiamento, na capacitação", afirma Manganelli. 


Como o senhor enxerga o papel da colaboração regional? E quais são as iniciativas-chave que o centro tem liderado para melhorar a governança das águas subterrâneas na América Latina e no Caribe?

Considero que a colaboração, a cooperação regional, é um elemento fundamental, básico, para podermos enfrentar os desafios relacionados à gestão dos recursos hídricos em geral — e especialmente dos recursos hídricos subterrâneos. 

Como sabemos, há aquíferos que ultrapassam fronteiras. Mesmo em aquíferos inteiramente dentro de um país, é importante considerar elementos de cooperação e colaboração, tanto no desenvolvimento do conhecimento quanto na cooperação financeira. Muitos dos nossos países não têm capacidade própria para desenvolver projetos, ampliar o conhecimento, fortalecer instituições, e precisam dessa cooperação — seja internacional ou regional — para avançar na melhoria da gestão de seus próprios recursos.

O CeReGAS participa de diversos projetos. Talvez o mais conhecido e emblemático seja o projeto do Sistema Aquífero Guarani, no qual estamos envolvidos. Também atuamos com capacitações, cursos sobre governança, sobre vulnerabilidade de aquíferos, e outras formações sempre voltadas à melhoria do conhecimento aplicado à gestão dos sistemas aquíferos.


Quão importante é a abordagem interdisciplinar para os problemas ambientais associados à sustentabilidade das águas subterrâneas? E como o senhor enxerga a evolução disso atualmente?

Hoje em dia, com o avanço do conhecimento e uma mudança conceitual na forma como pensamos, é impossível qualquer atividade que não seja interdisciplinar. 

Pensar em água subterrânea, em clima, ou em política de forma separada não faz mais sentido. Falávamos há pouco sobre gestão. Para termos uma boa gestão, precisamos de conhecimento científico, mas também de vontade política, da geração de dinâmicas sociais e econômicas que influenciem o uso e a proteção dos recursos. Sem essa visão interdisciplinar, sem diálogo entre disciplinas, é impossível fazer uma boa gestão.

Durante muitos anos — e ainda hoje, em alguns contextos — cientistas e políticos não conversam entre si. Ou até conversam, mas não se entendem porque falam "línguas" diferentes. Uma das tarefas importantes que tentamos realizar no CeReGAS é justamente traduzir. Traduzir de um lado para o outro. Traduzir essas linguagens para que haja maior entendimento e isso permita uma melhor gestão, uma melhor governança.


Diante da crescente pressão das mudanças climáticas e da urbanização, quais os maiores desafios que o senhor enxerga no manejo das águas subterrâneas nos próximos anos? E como os países da América Latina podem se preparar para esses desafios?

Existem problemas que já enfrentamos hoje, independentemente das mudanças climáticas futuras. Temos a superexploração, a contaminação, o próprio aquecimento global — que já é uma realidade —, a urbanização, a mudança do uso do solo. São questões que já estão presentes, mas que são agravadas pela variabilidade climática global.

É fácil dar exemplos: em uma seca, quando os recursos hídricos superficiais não são suficientes para atender as atividades humanas, há maior pressão sobre os aquíferos. Mas se não chove, também não há recarga do aquífero. Todos esses problemas se encadeiam e se intensificam de forma acelerada. Temos, portanto, desafios diversos.

Acredito que os países precisam se fortalecer institucionalmente. Normalmente dizemos que é necessário fortalecer os marcos legais. Mas muitos dos nossos países já têm boas leis, boas normas. O problema é institucional — ou seja, não conseguimos fazer cumprir essas normas de forma efetiva.

Devemos investir tanto em recursos humanos quanto em tecnologias de monitoramento, como o acompanhamento do estado dos recursos. Precisamos reforçar a cooperação regional, a troca de informações e de conhecimento. E, claro, aplicar estratégias de adaptação às mudanças climáticas.

Um exemplo disso é a recarga artificial de aquíferos. Já existem tecnologias para isso, que estão sendo aprimoradas, mas que em muitos países ainda não são aplicadas, pois acreditamos que temos água em abundância, que somos privilegiados. É preciso mudar essa mentalidade — não só dos políticos, mas também dos próprios usuários, que acham que basta perfurar um poço e sempre haverá água. As novas gerações precisarão assumir essa responsabilidade, esse legado que estamos deixando, para que não repitam os erros do passado, mas consigam desenvolver melhor essas ferramentas de gestão.


O senhor falou sobre a necessidade de fortalecer as instituições. O senhor poderia explicar como isso poderia ser feito?

Nossas instituições têm problemas com recursos humanos. Muitas vezes, o setor privado oferece salários melhores. Então, formamos bons profissionais no setor público e depois os perdemos para o setor privado. É preciso encontrar formas de reter esses profissionais capacitados, para que as instituições não enfraqueçam, desperdiçando recursos na formação de pessoas que logo saem. As instituições gestoras não devem ser centros de formação. Elas precisam ter profissionais já capacitados — embora, claro, seja necessário manter a atualização.

Outro ponto: o controle do cumprimento das normas. Em nossos países, esse controle costuma ser muito falho.  É comum ouvir que apenas cerca de 30% dos poços de água estão registrados — são os chamados poços legais. E os outros 70% são ilegais, ou seja, não estão registrados em lugar nenhum. Isso inviabiliza qualquer tipo de gestão eficiente.

Se não sabemos quantos poços existem, quanta água está sendo retirada dos aquíferos, quanto retorna ou não ao ciclo hidrológico — e em que condições —, estamos às cegas. Hoje existem tecnologias que nos permitem avançar rapidamente nesses controles, mas precisamos obter vontade política e decisão institucional para aplicar essas tecnologias no dia a dia.

Portanto, temos um desafio importante no futuro imediato. Não podemos esperar mais: os problemas já estão aí, conosco, e é preciso agir agora.

 
 
 

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