Sustentabilidade é a chave para a gestão hídrica
- SACRE
- 31 de jul.
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Segundo Arisvaldo Mello, professor da USP, é preciso mudar o modelo de desenvolvimento para uma alternativa sustentável
Isabela Batistella

A palavra sustentabilidade tem sido usada repetidamente para abordar qualquer questão relacionada ao meio ambiente. Segundo Arisvaldo Méllo, professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), não há outro jeito: é necessária a repetição. “Só assim conseguiremos convencer os tomadores de decisão a investir nessa prática, nesse modelo de desenvolvimento”, destaca.
Graduado em Engenharia Agronômica e com ampla experiência na área de Engenharia de Recursos Hídricos e Engenharia Ambiental, o pesquisador conecta a questão hídrica ao modelo de produção agronômico brasileiro. Segundo Méllo, o modelo atual é de “agricultura industrial”, que se utiliza de grandes maquinários, agrotóxicos e transgênicos.
“O manejo agrícola também é uma forma de emitir gás de efeito estufa”, alerta. Isso porque a matéria orgânica se decompõe, e essa decomposição aporta gases, assim como a utilização de máquinas, que queimam óleo diesel ou gasolina. Conforme explica o professor, esse modelo gera problemas ambientais que repercutem na biodiversidade e, por consequência, tem efeitos econômicos e sociais.
Para Méllo, muita coisa precisa mudar, especialmente na agricultura. Ele traz uma contrapartida ao modelo industrial – a agricultura ecológica, que agride menos a biodiversidade, o solo e os recursos hídricos, sejam superficiais ou subterrâneos. Esse modelo de fazer agronômico busca causar menos impacto no solo e na biodiversidade, assim como a atmosfera.
Para isso, se utiliza da redução de agrotóxicos e trabalha-se com soluções baseadas na natureza, como predadores naturais de pragas e doenças, para redução do uso de pesticidas. Ademais, a compactação do solo para torná-lo mais coeso e menos vulnerável a processos erosivos, assim como melhora da capacidade de armazenamento de água nesse solo, de forma a facilitar a recarga de aquíferos.
Como você avalia a interação entre as mudanças climáticas globais e o uso da terra no planejamento de recursos hídricos?
Essa talvez seja uma uma questão fundamental para a gestão ambiental. Eu começo dizendo que a agricultura no Brasil é o principal emissor de gás de efeito estufa. E isso para fazer uma agricultura industrial, como costumamos dizer, que é aquela agricultura que usa máquinas agrícolas, que movimenta o solo intensamente, às vezes várias vezes no ano, dependendo do manejo que você dá. É uma agricultura que usa muito agrotóxico.
Então, essa esse modelo de agricultura, de longe, a gente pode afirmar que não é sustentável. Isso devido aos problemas ambientais, especialmente causados à biodiversidade, que repercute efeitos econômicos e sociais.
E quando a gente fala de recursos hídricos. Toda pessoa sabe que a a água se recicla por meio de fatores ambientais, radiação solar, do próprio meio e da da constituição atmosférica. E se a constituição da atmosfera que funciona como uma espécie de filtro dessa radiação tem a sua natureza alterada, obviamente que isso repercute, isso afeta o ciclo hidrológico. E afeta de modo diferente em em várias bacias ao redor do planeta.
Em umas bacias pode ocorrer problemas relacionados a aumento da frequência de secas. Em outras pode preponderar um aumento da frequência de inundações, de cheias. Em algumas bacias, ambos os eventos que se alternam, tendo as suas frequências aumentadas.
E isso começa com por meio do uso e ocupação do solo. A agricultura é uma das principais atividades econômicas do Brasil. Então, sim, existe uma forte relação entre o manejo agrícola e a forma pela qual a gente usa o solo. E os recursos hidricos, as disponibilidades hidricas em cada bacia.
Agora, quando você junta no mesmo espaço a pressões muito fortes, por exemplo, uma pressão de demanda, onde tem muita gente que precisa de água, para sobreviver e para produzir. É dentro desse contexto de desenvolvimento que a gente vive. Então, nesses locais, a situação é estressante, torna-se crítica, por quê? Porque isso cria um mega problema que para que se encontre soluções, que ou são muito caras ou sacrificam demais o meio ambiente. Ou então tem que incomodar outras bacias. Você tem que trazer água de fora para dentro.
Então, isso, em geral, torna os sistemas naturais e os sistemas de recursos hídricos que funcionam dentro de cada ecossistema muito complexo, né? Agora, a pergunta que não quer calar é o seguinte: qual é o saldo? Eu poderia dizer diante da experiência que temos de analisar várias situações em vários locais, que o saldo é mais negativo do que positivo. Por que que eu falo isso? Porque os problemas estão aí para todo mundo experimentar, para todo mundo ver.
Ora você não tem água, ora você tem água e a água não pode ser utilizada porque tá poluída. Ora você tem água, mas não é suficiente. E a população continua crescendo, a demanda continua crescente. Então, como resolver? Como é equalizar esse problema?
Na minha opinião, não tem outra saída, senão estabelecer uma gestão que seja efetivamente sustentável. A gente tem até uma legislação considerada avançada, mas não conseguimos efetivar políticas. Muitas delas seria desejável que fossem políticas públicas continuadas, duradouras, para que se possa ter oportunidades de fazer o que precisa ser feito de maneira sustentável uma forma geral, não somente de recursos hídricos. As coisas estão interligadas.
Então, eu acho que muita coisa tem que acontecer, especialmente na agricultura. A gente tem tem que trabalhar em um contexto de agricultura ecológica, que agride menos a biodiversidade e o solo. E consequentemente os recursos hídricos, sejam superficiais, sejam subterrâneos.
E por que que isso não é feito? Justamente porque falta política, falta interesse de fato, de trabalhar em várias camadas – no pequeno, médio e grande produtor. E conscientizar, principalmente, aqueles que produzem alimento, que colocam na nossa mesa. No contexto brasileiro, quem faz isso é o médio e o pequeno produtor. É preciso apoiar essas as pessoas para que possam trabalhar de uma forma mais sustentável.
A gente não cansa de repetir essa palavra, talvez insistentemente. É o que a área ambiental da ONU, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), as universidades e os institutos de pesquisa falam. E é necessário falar insistentemente mesmo, para ver se a gente consegue com essa insistência tentar mudar a realidade. Só assim a gente consegue convencer os tomadores de decisão a investir nessa prática, nesse modelo de desenvolvimento. Porque não há outra saída.
A saída é simples, o problema é a gente tentar convencer as pessoas de de que é necessário fazer isso. Convencer as pessoas de que é necessário abrir mão de alguma coisa para para um bem maior comum lá na frente. E a gente não vê essa disposição, nem uma prática efetiva.
Como você vê a integração de práticas de gestão sustentável dos recursos hídricos com o desenvolvimento de ecossistemas, especialmente com os desafios impostos pelas mudanças climáticas e pela crescente demanda por recursos hídricos?
Estamos chegando a um ponto crítico. Porque conferência atrás de conferência, há muito acordo, muita conversa e a gente não vê efetividade. Então, não há dúvida que o processo de mudança climática está ocorrendo.
Não importa se foi causado pelo homem, por vulcões ou pela própria alternância das condições climáticas que esse planeta passa e já passou durante muito tempo atrás. Não importa. O fato é que nós estamos experimentando essa situação atualmente, e a tendência é piorar ainda nesse século.
Esse ano vai acontecer a COP 30 aqui no Brasil, mas as a COP 15 já tinha anunciado que precisavámos tomar algumas atitudes, e isso foi corroborado por 198 países. Mas não importa, cada um tem que fazer o seu dever de casa. Então, nesses acordos, a ideia era fazer de tudo para que a temperatura não aumentasse 1,5 além da temperatura de 1750, que é o ano base. O que ocorre é que a gente já alcançou essa temperatura pela primeira vez no dia 6 de outubro de 2024.
Isso mostra categoricamente que essas atitudes que foram tomadas até agora são insuficientes. A gente tem que fazer mais, tem que investir mais. Nos últimos 5 anos pouco foi feito. E a gente tem um fato que comprova isso, de que nós estamos fazendo muito pouco. Há de se lembrar o ano passado a quantidade de incêndios que que aconteceram no mês de agosto, no Brasil inteiro.
Então, nós não estamos devidamente preparados para adaptação e resiliência às mudanças climáticas. Em geral, falando falando de uma forma geral. Algumas empresas, indústrias, bacias e comitês talvez já tenha desenvolvido algum programa, algum plano de segurança hidráulica, sustentabilidade. Mas são coisas ainda muito incipientes, que não têm força para mudar essa realidade.
O fato é que o poder público, os tomadores de decisão numa forma geral, não valorizam isso, não entendem, não querem ou não acreditam. O fato é que nós precisamos efetivar políticas que venham a combater as as atitudes que são contrárias, que vão de encontro aos impactos ambientais negativos.
E qual a relação desses agroecossistemas e da mudança do uso do solo em geral. O que se poderia fazer? Certamente, a gente precisa proteger os nossos biomas, os nossos ecossistemas. Proteger a nossa diversidade biológica. Mas ao mesmo tempo, a gente precisa produzir alimento e conservar a água. Proteger as fontes – mananciais, superficiais e subterrâneas. A gente só será capaz de fazer isso se trabalharmos com manejo sustentável desses recursos naturais.
A gente precisa incutir isso na cabeça das pessoas. E como é que você muda hábito? Com educação. Você não muda hábito com lei, com decreto. Você muda hábito convencendo as pessoas de que aquilo que ela tá fazendo não é positivo. Essa é a nossa luta diária, pelo menos aqui na universidade. A gente tenta mostrar numericamente isso, com pesquisa, com dados, para ver se as pessoas tomam essa iniciativa. Mas isso por si só não vai resolver o problema. A gente tem que generalizar isso e começando desde a infância, num trabalho persistente, contínuo.
Embora a gente tenha já tenha feito bastante esforço, esse esforço é muito pequeno, porque grande parte desse esforço caminhou na direção errada. A gente precisa corrigir esse rumo e investir em torno dessas ideias, e só assim a gente vai conseguir superar essa crise ambiental, que não é nova. É uma crise que vem paulatinamente se desenvolvendo ao longo do tempo.
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