Resíduos da cana-de-açúcar são esponjas de poluentes eternos
- SACRE

- 8 de out.
- 3 min de leitura
Alternativa sustentável para o bagaço da cana promove a descontaminação de águas subterrâneas
Isabela Batistella

A cana-de-açúcar é essencial para a economia do Brasil, mas a indústria canavieira gera toneladas de resíduos. Pesquisadores estão em busca de um destino inovador para o bagaço de cana-de-açúcar. O Projeto SACRE – Soluções Integradas de Água para Cidades Resilientes, focado em soluções técnicas e sociais para gerenciar águas subterrâneas e a crise hídrica, propõe transformá-lo em um biocarvão capaz de funcionar como “esponja” que retira poluentes das águas subterrâneas.
A novidade foi apresentada pelo projeto durante a III Conferência AESAS (Associação Brasileira das Empresas de Consultoria e Engenharia Ambiental) – o maior encontro da América Latina sobre gerenciamento de águas contaminadas, realizado em São Paulo. O foco do estudo está nos PFAS (substâncias per e polifluoroalquil), compostos químicos conhecidos como “poluentes eternos” pela sua resistência à degradação no meio ambiente e presença cada vez mais frequente em objetos do cotidiano, como panelas antiaderentes, embalagens de fast food e produtos de limpeza.
Elizabeth Naranjo, uma das pesquisadoras responsáveis pelo estudo, explica que essas substâncias são bioacumulativas. Isso significa, por exemplo, que ao ingerir um alimento contaminado, a concentração das substâncias aumenta nos tecidos do corpo ao longo do tempo. Por essa característica, os PFAS já foram associados a riscos de câncer, desequilíbrios hormonais, problemas no fígado e impactos no sistema imunológico. Além de afetar a saúde humana, os compostos podem contaminar a cadeia alimentar ao serem absorvidos por plantas e consumidos por organismos aquáticos e animais, que são as bases da cadeia.
No Brasil, onde grande parte do abastecimento depende de aquíferos, a preocupação é ainda maior. O descarte inadequado de resíduos industriais e vazamentos de esgoto pode levar os PFAS para o subsolo, chegando até a água que abastece as cidades. “Também é possível que os PFAS cheguem por meio da infiltração da água da chuva ou deposição atmosférica, pois podem estar presentes no ar”, aponta Naranjo.
Foi diante desse cenário que a equipe do SACRE decidiu testar uma solução simples, econômica e sustentável ao aproveitar o bagaço da cana, modificar sua estrutura química com ferro e avaliar sua eficiência para reter os poluentes. Os resultados preliminares são positivos: o biocarvão mostrou maior eficácia na remoção dos chamados PFAS de cadeia longa, que são encontrados com mais frequência no ambiente e reconhecidos por seus riscos.
“A ideia é transformar um resíduo agrícola de baixo custo em um material de alto valor para a proteção da água subterrânea”, destaca Naranjo. Além de remover os contaminantes, o carvão vegetal também pode melhorar propriedades físicas e químicas do solo, como a capacidade de absorção de água e neutralização da acidez, ampliando seu potencial de uso em práticas ambientais.
Apesar dos avanços, o desafio de aplicar a tecnologia em larga escala permanece. A produção do biocarvão em grandes quantidades exige energia e infraestrutura, como explica Naranjo. A pesquisadora aponta que é necessário pensar em sistemas que não apenas removam, mas também destruam os contaminantes para evitar que retornem ao meio ambiente. Ainda assim, a pesquisa aponta um caminho promissor.
Ao levar o tema para o maior evento de águas contaminadas da América Latina, o SACRE reforça seu papel de aproximar ciência e sociedade. “Estamos mostrando que inovação sustentável pode nascer de soluções locais e ter impacto global”, afirma Naranjo. “Proteger a água subterrânea é proteger a saúde de todos”.




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